criação de narrativas digitais

As mudanças não estão apenas nas mídias e nos suportes, mas também na maneira como estamos recriando as linguagens humanas. Dessa forma, passamos a pensar no que é relevante para cada público, preocupando-nos primeiro com a mensagem e, depois, em como disponibilizá-la da melhor forma, dependendo do suporte hipermidiático. Criar conteúdo relevante e com propósito, e disponibilizá-lo de acordo com o meio, é mais importante do que focar no meio em primeiro plano. A convergência da comunicação nos permite escolher qual, como e onde queremos consumir determinado conteúdo. Não faz mais sentido esses momentos serem delimitados, sem que seja melhor para quem os escolhe.

O avanço e a democratização dos meios de digitais mudam a comunicação e a forma pela qual a consumimos, e é fundamental compreendermos não só as transformações comportamentais que essa mudança traz, mas também as novas possibilidades para a criação de narrativas tendo em vista a experiência do usuário proporcionada pela interatividade. Assim, a relação entre usuário e conteúdo transformou-se por meio do tipo de suporte hipermidiático e seus recursos tecnológicos (hiperlinks, vídeos, gifs, animações), que preveem também interações entre eles.

O avanço tecnológico possibilitou a desvinculação da forma material dos suportes estáticos, priorizando o conteúdo em relação à forma. Com isso, criam-se diferentes formas de experiência entre o leitor, o conteúdo e a interação que os meios digitais proporcionam. Não se trata mais de transpor o conteúdo para as mídias digitais, mas de como proporcionar ao leitor uma nova experiência de leitura e de apropriação de conteúdo.

Os signos não evocam apenas objetos ausentes, mas cenas, intrigas, séries completas de acontecimentos ligados uns aos outros. Sem as línguas não poderíamos nem colocar questões, nem contar histórias. As pessoas podem se desligar parcialmente da experiência em curso e recordar, imaginar, jogar, simular. Assim, elas se deslocam para outros lugares, outros momentos e outros mundos. Não devemos esses poderes apenas às línguas, como francês, inglês, português, italiano, etc., mas igualmente a outros tipos de línguas, como a plástica, a visual, a musical e a matemática, entre outras consideradas quase universais. Quanto mais as linguagens se enriquecem, maiores são as possibilidades de simular, imaginar, fazer imaginar um alhures ou uma alteridade, construindo conhecimentos 1.

estrutura da história

Uma estrutura padrão circular que vem sendo utilizada para criar histórias de sucesso foi apresentada por Joseph Campbell 2 em seu livro A jornada do herói, publicado em 1949.

A jornada do herói segue um ciclo que envolve: chamado a aventura; recusa do chamado; encontro com o mentor; travessia do primeiro limiar; provas, aliados e inimigos; aproximação da caverna secreta; provação; recompensa; caminho de volta; ressurreição; e retorno com o elixir 3.

Ao se buscar conectar a jornada do herói à criação de uma narrativa não é imprescindível seguir o ciclo como se fosse um passo a passo, mas é necessário compreender seu funcionamento para aplicá-lo na prática, produzindo ações que guiem os indivíduos e suas experiências. Os designers planejam estruturas.

Ao criar experiências imersivas, o designer necessita compreender o arco narrativo para a tomada de decisão; o processo deve apoiar os objetivos e as intenções para se projetar histórias. Nesse contexto, o design deve atuar como uma narrativa que apoia os objetivos e as intenções previstas no planejamento de um cenário e/ou contexto, seja na criação de uma narrativa ou um produto, no planejamento de uma interação ou até mesmo no desenvolvimento de uma linguagem visual.

“O design usa forma, cor, materiais, linguagem e pensamento sistêmico para transformar o significado de tudo… O design incorpora valores e ilustra ideias. Ele deleita, surpreende e nos leva a agir. […] As histórias também fazem isso” 4.

Nesse sentido, o design como storytelling atua na conexão com os sentidos, possui a capacidade de provocar emoções e guiar as pessoas para uma direção. Entretanto, cada indivíduo vai trilhar sua própria experiência. Os designers devem arquitetar os elementos do processo criativo para atuar na construção de uma narrativa com o intuito de afetar as emoções e moldar as percepções dos indivíduos

elemento de criação

A Pixar Studios parte do princípio de que todos nós somos contadores de histórias e apresenta o processo de criação de narrativas digitais que mostraremos resumidamente neste livro. Partimos da seguinte pergunta: o que faz uma história ser interessante? Segundo a Pixar, existem elementos que devem ser verificados na criação de uma narrativa para torná-la atraente. São eles:

História: uma sequência de eventos que se desenrolam ao longo do tempo.

Perspectiva: um ponto de vista ou modo de ver o mundo.

Mundo: o ambiente ou o conjunto de regras em que uma história ocorre.

Personagens: os sujeitos ou indivíduos que seguimos na jornada da história.

Protagonista: o personagem que representa o papel mais importante em uma peça, uma novela, um filme ou uma animação.


A criação de personagens com características específicas para percorrer a jornada pode impulsionar o processo de narrativa:

  • Característica externa: a roupa, o design ou a aparência de um personagem.
  • Característica interna: a personalidade, as crenças ou o impulso de um personagem.
  • Desejo: algo que leva um personagem a agir.
  • Necessidade: algo que um personagem deve fazer ou aprender para crescer ou ter sucesso.
  • Obstáculo: algo que impede um personagem de obter o que deseja.
  • Arco de personagem: as escolhas que um personagem faz para superar seus obstáculos e como eles mudam com o resultado.
  • Apostas: o que está em risco se o personagem falhar em atingir seu objetivo (ou, quais são as consequências de suas escolhas?).
  • Externo: o que acontecerá fisicamente a um personagem ou ao mundo.
  • Interno: o que acontecerá com um personagem emocionalmente.
  • Filosófico: o que acontecerá com os valores ou o sistema de crenças do mundo.
meios de representação
linguagem visual

Embora contar quase qualquer história envolva palavras, personagens e estrutura, criar uma história digital envolve outro aspecto da narrativa: a linguagem visual. A linguagem visual se refere a como as imagens são usadas para transmitir ideias ou significados de histórias. Perspectiva, cor e forma podem ser utilizadas para apoiar uma história, orientando o público a ver e ter experiências.

Áudio

O áudio é uma poderosa mídia e seu uso em ambientes digitais deve ser considerado tanto como elemento de navegação como de imersão. O áudio pode intensificar o processo de imersão e, consequentemente, possibilitar maior envolvimento do usuário da mídia ao tornar a experiência mais interativa, desenvolta e atraente. A experiência acompanhada de imagem, texto e som torna-se complexa e integrada para o usuário do vídeo, e pode impactar os distintos sentidos do usuário fazendo uso de apenas um artefato de comunicação.

gramática do filme

Fazer um filme requer uma compreensão dos princípios e da terminologia da cinematografia, como ângulos de câmera, edição, composição e movimento da câmera e dos personagens. Isso também é conhecido como gramática do filme e, como a gramática falada, é uma linguagem usada para contar histórias de forma visual. Cada cena, tomada e quadro são considerados e criados a partir dessa linguagem.

storyboard

Storyboarding é o ato de contar uma história por meio de quadros sequenciais usando desenhos simples; é uma maneira rápida de trabalhar todos os elementos da sua história, da estrutura à composição.

Os storyboards criados por designers de experiência do usuário vão desde wireframes simples em preto e branco até esquemas desenvolvidos de modo elaborado, que representam em detalhes a linguagem visual de um produto. Muitas vezes, os wireframes acompanham a sequência da jornada do usuário, começando com um “incidente incitante” ou chamado à ação (o evento que desencadeia a interação com o produto) e passando por uma série de passos necessários para atingir um objetivo ou completar uma ação 5.

1 LÉVY, Pierre. O que é virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1996.
2 CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 1989.
3 VIEIRA, Dimitri. O que é storytelling? O guia para você dominar a arte de contar histórias e se tornar um excelente storyteller. Disponível em: https://comunidade.rockcontent.com/storytelling/.
4 5 LUPTON, Ellen. Design como storytelling. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2020.