conceitos narrativos

Em uma narrativa, só podemos compreender os princípios que regem a interpretação e a elaboração da construção de significados na medida em que sejamos capazes de especificar a estrutura e a coerência dos contextos mais amplos, nos quais se criam e se transmitem significados específicos.

Assim, uma concepção da criação cultural 1 do significado é aquela segundo a qual se trataria de um sistema que se ocupa não somente do sentido e da referência, mas também das condições de felicidade. Em outras palavras, as condições em que as diferenças de significado podem se resolver, invocando as circunstâncias atenuantes que dão conta das interpretações divergentes da realidade.

Esse método de negociar e renegociar os significados mediante as interpretações narrativas é um dos êxitos mais destacáveis do desenvolvimento humano. Culturalmente, o desenvolvimento se vê bastante auxiliado pelos recursos narrativos acumulados pela comunidade e pelos instrumentos de igual importância, que supõem as técnicas interpretativas. Os mitos, as tipologias, os dramas humanos e também suas tradições para localizar e resolver narrações divergentes fazem com que os seres humanos criem seus significados na cultura a qual pertencem 2.

experiência

O conceito fundamental da psicologia humana é o significado, e os processos e as transformações se dão na construção deles. Essa convicção se baseia em dois argumentos relacionados entre si: o primeiro é que, para compreender o homem, torna-se necessário apreender como suas experiências e seus atos estão moldados por seus estados intencionais; e o segundo está relacionado à forma como se apresentam esses estados intencionais, que podem ser moldados somente mediante a participação nos sistemas simbólicos da cultura. O que temos na mente só nos resulta compreensível a nós mesmos e aos demais em virtude dos sistemas culturais de interpretação. A cultura forma parte integrante da mente e o significado, em razão de sua atualização na cultura, adota uma forma que é pública e comunitária, em vez de privada e isolada 3.

“Tudo o que acontece em qualquer lugar é determinado por interação entre as partes e o todo [...] A tendência é ver vários focos juntos como uma espécie de constelação; eles constituem os pontos de máxima importância, transportam grande parte do significado.” 4

O design emocional nos instiga a pensar sobre quais experiências os usuários trazem, como eles se sentirão na expectativa por uma experiência e como lembrarão dela depois 5. Esse pensamento possui ampla abrangência e duas dimensões: a empírica está intimamente ligada às questões materiais da intervenção dos indivíduos no mundo; a outra dimensão, metafórica, é transferida para o campo das ideias, dos valores, é uma instância que se constrói a partir do refinamento humano.

imersão

Quando nossa mente navega prazerosamente por um mundo imaginário por meio de narrativas, ela é geralmente descrita, nas palavras de Coleridge, como a “suspensão da descrença”. O conceito refere-se ao desejo de um leitor ou espectador de aceitar como verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção 6.

Mas essa é uma formulação muito passiva, mesmo para os meios de comunicação tradicionais. Quando entramos em um mundo ficcional, fazemos mais do que apenas “suspender” uma faculdade crítica; também exercemos uma faculdade criativa. Não suspendemos nossas dúvidas tanto quanto criamos ativamente uma crença. Por causa de nosso desejo de vivenciar a imersão 7, concentramos nossa atenção no mundo que nos envolve e usamos nossa inteligência mais para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência 8.

Outra teoria importante para discutir a questão da imersão é a teoria do flow. Refere-se aos motivos que nos levam a ter experiências recompensadoras que surgem por causa da nossa interação efetiva com o meio ambiente. A experiência em fluxo acontece quando as pessoas são motivadas a explorar, aprender e desenvolver suas habilidades de forma a interagir mais eficazmente com o meio. Quando envolvidas em tal processo, os leitores, os jogadores ou os espectadores gostam do que estão fazendob e buscam a experiência para seu próprio bem; o crescimento torna-se a própria recompensa. Esse engajamento agradável é o que chamamos de flow. Uma das contribuições mais importante da experiência em fluxo para a qualidade de vida consiste em dotar de valor a experiência momentânea, contribuindo para a evolução da consciência e da cultura.

Na contemporaneidade, os games tornaram-se ainda mais complexos, as condições para a suspensão de descrença, tanto por causa da interatividade – entendida como a interação com a representação propriamente dita – quanto pelas possibilidades de interação social –, que está relacionada à interação entre atores sociais mediada pela representação digital.

conceito de narrativa digital

Narrativa digital ou storytelling é um termo utilizado para conceituar histórias contadas com o uso da tecnologia. Histórias digitais são apresentações multimídias que combinam uma variedade de elementos comunicativos dentro de uma estrutura narrativa. A mídia pode incluir qualquer combinação, como texto, imagem, vídeo, áudio, animação e/ou elementos interativos.

A narrativa digital é uma continuação da antiga tradição de contar histórias, porém em um novo meio, o que a torna diferente das outras formas de contar histórias. Tal como acontecem inovações com outros meios de comunicação, novos recursos de inscrição e transmissão levam a novas possibilidades de representação. No caso da computação para gêneros além da narrativa, podemos identificar quatro recursos (procedimento, participativo, enciclopédico e espacial) que, em conjunto, possibilitam novas formas de interatividade e imersão.

Histórias digitais podem ser instrutivas, persuasivas ou reflexivas. Os recursos disponíveis para incorporar uma narrativa são praticamente ilimitados, dando ao contador de histórias uma enorme amplitude criativa.

A narrativa digital deve ser tomada como termo múltiplo ao invés do termo mais comumente usado de não-linearidade porque temos a possibilidade de criar estruturas de história mais complexas no ambiente das mídias, e não apenas romper com os formatos tradicionais. A forma digital de criar e contar histórias pode potencializar a inteligência humana, assim como foi a invenção da impressão

1 LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 19 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
2 3 BRUNER, Jerome. Actos de significado. Más allá de la Revolución Cognitiva. Madrid: Editorial Alianza, 2006.
4 ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Thomson Learning, 2007, p. 6, 10.
5 LUPTON, Ellen. Design como storytelling. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2020.
6 8 MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural, UNESP, 2003.
7 CSORDAS, Thomas J. et al (ed.). Embodiment and experience: The existential ground of culture and self. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.