design e humanidades

Uma questão significativa presente no mundo contemporâneo é a avalanche de mídias, aplicativos e sistemas com os quais interagimos cotidianamente. As transformações tecnológicas e suas consequências sociais, éticas, culturais, educacionais e ambientais, entre outras, ocorrem em ritmo célere, produzindo novas formas de interação, aquisição de conhecimentos e experiências. Diante desse fato, torna-se fundamental buscar outras maneiras de conceber e produzir design.

Ao refletirmos sobre o design, devemos considerar que projetos de humanidades digitais envolvem designers preocupados não apenas com a representação simbólica da linguagem, mas também com questões para além do design. O design tem um papel ativo e determinante na sociedade na qual atua como um dos principais edificadores da cultura.

O design pode colaborar para projetos em humanidades digitais 1, pois engloba o conjunto de pesquisas e experiências que visam facilitar a utilização dos recursos digitais no âmbito social, tornando-os mais intuitivos e acessíveis. Nesse sentido, é de suma importância refletir sobre a relevância da ação da área de Design e do papel dos designers perante as práticas em humanidades digitais

prática criativa

Para os humanistas digitais, o design é uma prática criativa que aproveita restrições culturais, sociais, econômicas e tecnológicas para elaborar sistemas e objetos para o mundo. O campo do design vem explorando com sucesso as tecnologias para a produção cultural, estejam estas presentes em produtos úteis e funcionais ou na formação do imaginário cultural. Na maneira como as humanidades digitais exploram e interpretam esse imaginário, o envolvimento com o design ocorre em um método de pensamento e de elaboração de conhecimento em que a prática é indispensável.

Os estudos humanísticos e os livros impressos têm uma história compartilhada. Durante séculos, os humanistas trabalharam com formatos ‒ a página impressa, o códice encadernado ‒ que permanecem consistentes. Mas a comunicação em ambientes digitais exigiu a invenção de novos formulários, ferramentas e esquemas. A falta de convenções e a oportunidade de imaginar formatos com affordances 2 muito diferentes da impressão trouxeram reconhecimento da transformação da construção sociocultural e implicações cognitivas diversas dos formatos impressos, mas destacaram o papel do design na comunicação.

O design com D, com caixa-alta, abrange desde o Design Thinking até as Ciências do Design, que incluem domínios acadêmicos, especializações, como Engenharia Semiótica e Interação Humano-Computador, e os projetos de Humanidades Digitais envolvem mais especificamente designers de comunicação visual, de interação e experiência do usuário, que estão preocupados com a representação simbólica da linguagem, a expressão gráfica de conceitos e as questões de estilo e identidade 3.

tecnologia digital

Vivemos em uma época que a internet, assim como os diversos equipamentos e tecnologias disponíveis para se conectar a ela, possibilitou a construção de um novo paradigma de geração de conhecimento e acesso à informação. Apesar da agilidade na mudança de sistemas e processos, podemos perceber que as tecnologias digitais exteriorizaram e impulsionaram quatro qualidades do ser humano: a curiosidade, a criatividade, a cooperação e a vivência do lúdico. A interatividade é apontada como uma das melhores aberturas para essas questões e para o pensamento criador 4.

A computação móvel, pervasiva e ubíqua possibilitou a interatividade, criando uma sociedade com cognição distribuída, e ainda modificou, de maneira célere, a vida cotidiana. A mídia está se expandindo e a tecnologia amplia as habilidades humanas naturais. As tecnologias não são simples adições à existência humana; elas mudam a maneira como as pessoas pensam, sentem e agem, transformam até a percepção dos indivíduos e o processamento de informações ao usar a linguagem da tecnologia 5.

Porém, Lanier (2010) adverte:

Criamos extensões para o ser, como olhos e ouvidos remotos (webcams e telefones celulares) e memória expandida (o mundo de detalhes que você pode encontrar on-line). Essas extensões se tornam as estruturas por meio das quais você se conecta ao mundo e a outras pessoas. Essas estruturas, por sua vez, podem mudar a forma como você vê a si mesmo e ao mundo. Nós aprimoramos a sua forma de pensar por manipulação direta da sua experiência cognitiva, não indiretamente, pela argumentação. Basta um pequeno grupo de engenheiros para criar uma tecnologia capaz de moldar todo o futuro da experiência humana com uma incrível velocidade 6.

Apesar de as possibilidades das tecnologias digitais serem enormes, existe no momento um abismo entre a maturidade alcançada pelos meios tecnológicos e a imaturidade conceitual sobre como e com qual objetivo os novos meios de informação e comunicação são utilizados no contexto social 7.

1 PORTUGAL, Cristina. Design para projetos de Humanidades Digitais. In: Anais do 13º Congresso Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo: Blucher, 2019a, p. 5596-5606.
2 Affordance é um termo adotado por Gibson ao se referir às possibilidades de ação oferecidas pelo ambiente. Perceber uma affordance consiste em identificar a relação entre uma unidade e seu uso. O ser humano, independentemente de suas capacidades visuais, utiliza affordances na realização de suas atividades cotidianas, como atravessar a rua, por exemplo.
GIBSON, James J. The discovery of the occluding edge and its implications for perception. In: The ecological approach to visual perception. New York and London: Taylor & Francis, [1986] 2015, p. 180-192 (72-78)
3 BURDICK, Anne et al. Digital_humanities. Massachusetts: MIT Press, 2012.
4 MOURA, Mônica. O design de hipermídia. 2003. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
5 MCLUHAN, Marshal; MCLUHAN, Eric. Laws of media: the new science [LoM]. Toronto: University of Toronto Press, 1988.
6 LANIER, Jaron. Gadget: você não é um aplicativo! São Paulo: Saraiva, 2010, p.22.
7 MALDONADO, Tomás. Memoria y conocimiento. Sobre los destinos del saber en la perspectiva digital. São Paulo: Barcelona: Gedisa, 2007.